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domingo, 17 de janeiro de 2010

Venezuela e seu câmbio, outra vêz

Celso Grisi - Professor da Fundação Instituto de Administração (FIA)

SEX, 15 DE JANEIRO DE 2010 16:42 IN

Síntese da entrevista concedida à repórter Niviane Magalhães
15 de janeiro de 2010 - Desde o dia 8 de janeiro de 2009, a Venezuela convive com duas taxas cambiais. Na primeira delas, válida para itens considerados de primeira necessidade, o dólar custa 2,60 bolívares. Na segunda, para os demais produtos, a moeda norte-americana é vendida a 4,30 bolívares.
Para Celso Grisi, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), inflação, queda da demanda, empobrecimento da população e dificuldade de relacionamento com o exterior, são as principais conseqüências que o país irá enfrentar.
IN - Por que o governo da Venezuela decidiu desvalorizar o bolívar?
Celso Grisi - Tínhamos na Venezuela um câmbio fixo há muito tempo e em paralelo ocorria uma desvalorização do bolívar muito forte, até porque a inflação da Venezuela é a maior da América Latina, de 25% ao ano. Com a moeda desvalorizando, não há outra saída a não ser mexer na taxa de câmbio, e foi essa razão que levou Hugo Chávez (presidente da Venezuela) reconhecer que não é mais possível manter o câmbio no patamar estável.
IN - Futuramente isso pode prejudicar a economia local?
Celso Grisi - Sem dúvida. Quais são as primeiras conseqüências de uma desvalorização cambial desta magnitude? O Chávez desvalorizou o câmbio em dois níveis. Primeiro, ele criou a taxa de câmbio para bens que ele considera essenciais, como alimentos, educação, produtos farmacêuticos, e elevou a moeda que valia 2,15 para 2,60, com alta de 20%. No segundo nível, ele desvaloriza a moeda para 4,30 para os bens não são essenciais. O povo venezuelano acorda 20% ou 100% mais pobre, porque agora é necessário uma quantidade de moeda local muito maior para adquirir aquilo que adquiriria antes.
IN - De que maneira o Brasil é afetado?
Celso Grisi - Toda vez que você desvaloriza a moeda nacional, de alguma forma a exportação é estimulada. Um país que não produz para atender sua demanda interna não deveria estar preocupado em fazer exportações tão grandes. As reservas que foram feitas na Venezuela, decorrem das exportações de petróleo. Mas o produto venezuelano sofre uma demanda no mercado interno muito maior do que a própria produção desses produtos pela indústria local. Então não vejo vantagem nenhuma do Chávez estimular a exportação para um país que é fortemente importador, como importam do Brasil. O Brasil é um grande exportador de alimentos para a Venezuela.
IN - Qual o benefício da reforma cambial, após cinco anos de estabilidade?
Celso Grisi - Evidente que uma moeda que ficou cinco anos parada, mas que sofria corrosão internamente, deveria ser reajustada para trazer a economia a um plano natural de evolução de preços. Essas taxas estavam muito artificializadas, tanto é que no mercado negro o preço havia atingindo mais de 6 bolívares por dólar. O próprio mercado negro sinalizava o desequilíbrio, e isso trouxe a dimensão desse desequilíbrio.
IN - Quais os reflexos imediatos na economia venezuelana?
Celso Grisi - Inflação, queda da demanda, empobrecimento da população e dificuldade de relacionamento com o exterior. Uma empresa de qualquer nacionalidade, evidentemente, terá que remeter lucros para o seu país de origem, mas na medida em que se cria uma desvalorização grande, é reduzida a remessa de lucros em dólar. Então o indivíduo passa a remeter muito menos. Isso quer dizer que Hugo Chávez está estimulando na Venezuela o desinvestimento feito pelas empresas internacionais e nacionais, que começam a ficar receosas com o comportamento da economia e da estabilidade das regras para fazer investimentos a longo prazo.
IN - Como essa medida será sentida no setor petroquímico?
Celso Grisi - O setor petroquímico é favorecido, porque vai exportar o produto por um dólar e vai receber 4,30 bolívares, quando recebia 2,15. Portanto, aumenta a remuneração e o lucro em moeda local das empresas exportadoras. Isso é benéfico para esse setor, mas vale lembrar que uma parte considerável está na mão do Estado venezuelano.
IN - O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, disse que não há necessidade de aumentar os preços dos produtos. Porém, direta ou indiretamente, os insumos serão afetados. O senhor concorda com a afirmação do presidente?
Celso Grisi - Nenhum Estado tem braço para conseguir controlar preços em estabelecimentos comerciais, quando eles são tão capilarizados por toda a Venezuela. Então é uma ameaça típica de um homem que desrespeita a ordem democrática. O preço é um fenômeno natural, não tem como evitar sua alta, e antagoniza o presidente com todo o sistema produtivo. Qualquer comerciante, pensando no custo de reposição dos estoques, vai precisar aumentar seus preços para ser capaz de comprar aquilo que comparava antes. Então haverá reajuste nos preços venezuelanos sem nenhuma possibilidade de não haver. Em segundo lugar, reajustados os preços, o processo inflacionário se instala. A primeira conseqüência muito ruim para a Venezuela é a aceleração, tornando muito mais pobre o povo venezuelano. Portanto, reduz a renda, reduz a demanda agregada.
IN - No Brasil, já foi adotada política monetária semelhante. Qual o comparativo podemos traçar com a Venezuela?
Celso Grisi - A desvalorização da nossa moeda não foi uma decisão do Fernando Henrique Cardoso, com os ataques cambiais. A moeda que ruiu. Mas é verdade que o próprio governo FHC acabou estabelecendo uma ordem na política fiscal muito grande, adotou uma política monetária forte, com taxas de juros e redução da liquidez, e como reflexo disso, nosso real vem se valorizando fortemente. Acho que está valorizado até demais, mas com o tempo isso sofrerá uma correção, até porque essa valorização excessiva ocorre mais pela desvalorização do dólar no mercado internacional, do que propriamente pela atração que a economia nacional exerce no investidor internacional.

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