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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Fórum Econômico Mundial

Uma palavra sobre Davos
No final de 2008, portanto antes da crise chegar ao Brasil, publiquei artigo na grande mídia impressa nacional, discordando, de forma incisiva, das avaliações feitas pelo WEF sobre o sistema financeiro mundial, no relatório sobre competitividade. Esse relatório classificou o sistema financeiro brasileiro nos últimos lugares, privilegiando os sistemas americano e europeus.
A história demonstrou o descalabro das avaliações. Embora tenha soado como uma voz isolada, afora algumas manifestações protocolares de poucos órgãos de representação de classe, o fato é que tentei mostrar que avaliações pressupõem insenção. Não se pode confundir critérios de julgamento com argumentos de defesa. Deu no que deu. Veja abaixo, a íntegra do artigo. E veja porque, em relação aos relatórios do WEF peço sempre, em uma palavra, reservas.
Valor Econômico
Segunda-feira, 06 de outubro de 2008.
Avaliação de sistemas bancários: brincando com fogo. Bancos são bons negócios, mas mesmo os grandes quebram.
O conceito de governança nos países desenvolvidos tem convergido para o entendimento de que a atividade empresarial se faz por delegação da sociedade e deve alinhar as formas de fazer negócios às culturas locais, mediante regulamentação e fiscalização dos Estados nacionais. Mesmo na reforma thatcherista, marcada pelo radicalismo liberal inglês e, mais tarde, na condução das medidas de combate ao desemprego durante o período Clinton, nos EUA, o estado limitou a ação dos capitais privados e endereçou-os para searas sociais, impedindo seu descolamento das causas nacionais.
Julgar desempenhos empresariais obriga a verificação do alinhamento da atuação empresarial com os objetivos da sociedade e de seu funcionamento. Nesse sentido, o ranking promovido pelo Fórum Econômico Mundial, no “Financial Development Report 2008”, em Genebra, semanas atrás, esqueceu-se desses novos tempos. Buscou-se aí entender aquilo que nações poderiam oferecer ao capital privado: melhores condições de remuneração e menores exposições a riscos. Assim, os participantes do fórum produziram um ranking de países para o melhor exercício de seus “espíritos empreendedores”, assentados em critérios que se esquecem os princípios da boa governança. Ambiente institucional, ambiente de negócios, estabilidade financeira, bancos, instituições não-bancárias, mercados financeiros e disponibilidade de capital compõem, com seus sub-itens, o elenco dos quesitos avaliados em 52 nações do mundo.
Sem entrar no mérito dos pesos e notas atribuídas a cada país, convém conhecer suas limitações e constatar as idiossincrasias que esse esforço patrocinou. Ao atribuir notas baixas ao Brasil pelo elevado ônus regulatório e fiscal e pelo seu ineficiente ambiente político, o relatório não inovou, nem trouxe fato novo à reflexão. A comemorar, restou um honroso primeiro lugar conferido ao Banco Central brasileiro pela sua capacidade em fiscalizar as instituições financeiras. No referente aos bancos, as piores avaliações foram obtidas em dois fatores: tamanho e eficiência. A melhor diz respeito à abertura de informações, tendo aí encontrado sexta posição.
É de se lamentar que as funções e as atividades essenciais aos bancos não tenham sido avaliadas, sobretudo as concernentes à vida econômica e social das nações. Aos bancos, essencialmente, cabem as funções de circular as riquezas nacionais e de se constituírem em meio para formação de poupanças. Em um e outro caso, os bancos brasileiros são muito eficientes.
Munidos da melhor tecnologia de informação e tendo desenvolvido canais físicos e eletrônicos para a prestação de serviços de pagamentos e recebimentos em todo o país, o sistema bancário brasileiro cumpre a atividade de circulação da riqueza com precisão, rapidez e baixos custos. Por outro lado, os produtos e serviços das áreas internacional, de mercado de capitais e de operações estruturadas garantem a formação da poupança nacional e disponibilizam, nos seus diversos graus de complexidade, formas de investimentos no Brasil e no exterior. Avaliar bancos pressupõe também o entendimento sobre as necessidades de seus usuários. Para o correntista  brasileiro, as pesquisas mostram que a instituição bancária é primariamente o centro em torno do qual o consumidor organiza sua vida financeira, recebendo seus haveres e pagando suas obrigações. É também um centro garantidor da liquidez, fornecendo empréstimos e remunerando seus excedentes de caixa. Por fim, dois outros elementos devem ser revistos pelos artífices desses ranking. O primeiro é o de imaginar que “tamanho possa ser documento”. Bancos grandes também quebram como mostra a história financeira mais recente. Não resta dúvida que bancos são bons negócios. A razão disso é que o banqueiro capta dinheiro de uma pessoa a um determinado custo e empresta para outra a um preço superior. A diferença entre esses valores dever ser capaz de absorver todos os custos da operação e deixar margem ao banqueiro. Em padrão mundial consagrado, a cada 12 unidades monetárias emprestadas, apenas 1 pertence ao próprio banqueiro. As outras 11 unidades são de terceiros. É isso que faz do banco um grande negócio. Ganha-se sobre o dinheiro dos outros e com ele constrói-se o negócio chamado banking. O problema é que se uma unidade monetária emprestada não voltar, tecnicamente o banco estaria quebrado. Trata-se de operação de risco que precisa ser, como no caso brasileiro, conservadoramente administrada, rigorosamente fiscalizada e claramente apresentada ao  público. Ser grande realmente “não é documento”. Documento é ser financeiramente saudável, com uma apropriada relação capital próprio x capital de terceiros. É administrar com competência o crédito concedido, dando contra à sociedade da real situação econômica e dos riscos a que sua operação está exposta. Nesse sentido, o sistema bancário americano é um verdadeiro desastre. O maior destruidor de valor de todos os tempos. Causa espanto ver o despropósito da operação bancária americana, empacotando e distribuindo dívidas sem o menor controle dos volumes e da qualidade da operação de
crédito. Dizer que esses bancos fazem o melhor sistema bancário do mundo é desafiar o bom senso.
Sem condições mínimas de liquidez, só não assistiu à inviabilização de seu mercado interbancário graças às prontas e decisivas ações do Federal Reserve e do Tesouro americano, que se obrigaram a injetar fortunas para garantir a liquidez desses sistemas e permitir condições mínimas à circulação da riqueza naquele país.
O segundo quesito, concernente à formação da poupança nacional, deveria colocar países como o Brasil em melhor lugar nessa lista. A poupança dos mercados desenvolvidos foi destruída pelos seus sistemas bancários. Quanto vale esses bancos hoje? Quantos conseguirão resistir a suas próprias gestões? Melhor será perguntar aos congressistas americanos e seus dois grandes partidos políticos.
É oportuno repensarmos esses critérios que negam os bons princípios da governança. É o momento de rever as análises que consagram sistemas bancários falidos e suas aventuras financeiras em torno do mundo, em vez de aplaudir seus desvarios e seus descontroles.
Celso Cláudio de Hildebrand e Grisi
é diretor do Instituto Fractal de Pesquisa de Mercado
e professor da FEA/USP

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