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domingo, 25 de dezembro de 2011

Crédito e política econômica

Roberto Luis Troster avalia a recente recuperação da importância do crédito na política econômica brasileira.
Veículo: Boletim de informações da FIPE
Edição No 375 Dezembro/2011
O crédito volta a ter um papel im­portante na política econômica com o anúncio de que será usado para acelerar a economia brasilei­ra e também para contrabalançar os impactos adversos da crise na Europa. Um ponto importante no desenho da política monetária é a sua potência. A questão é se a atual estrutura de crédito tem capaci­dade de cumprir sua tarefa ou se é necessário fazer algo a mais para que cumpra seu papel a contento.
O Brasil tem um sistema de inter­mediação financeira sofisticado e sólido, uma rede de abrangência nacional e capital excedente que permite expandir a oferta de crédi­to de forma contundente. Entretan­to, é imperativo fazer ajustes para que o sistema financeiro possa cumprir sua missão basal. A dinâ­­mica atual, embora não apresente problemas no horizonte, tem sinais de baixa potência.
Há um padrão que se repete em todos os ciclos de intermediação. É composto de quatro fases: verde − contribuição; amarela − fragiliza­ção; vermelha − crise e, por último, cinza − recuperação. A intensidade e duração de cada uma varia de país a país. Em todos, no início do ciclo, os bancos canalizam fundos para o desenvolvimento do país; no final, seu papel é transferir riqueza dos devedores para rentistas com prejuízos para o bem-estar da so­ciedade.
A fase verde exige uma construção adequada, o que garante uma rela­ção crédito/PIB elevada e estável. Sua arquitetura é específica para cada sociedade no desenho de ins­tituições, regulamentações, super­visão, tributação, concorrência e gestão de transformações, devendo ajustar-se às mudanças na econo­mia, na tecnologia, nas inovações financeiras e na dinâmica bancá­ria. Alguns países como Alemanha e Canadá conseguem se manter nesta etapa apesar dos vizinhos.
À medida que o tempo passa, os sistemas financeiros têm partes que se tornam obsoletas, vão ama­relando. É um processo sutil e de­morado, mas é inexorável; há uma fragilização por falta de adapta­ções. A pressão por lucros aumen­ta, a percepção de risco diminui, as decisões de tomadores são mais pautadas pela rolagem de dívidas do que por critérios econômicos, e banqueiros se guiam mais por considerações sobre liquidez de curto prazo do que solvência de longo prazo. Sinais de distorções abun­dam. A intermediação se desvir­tua. Em alguns poucos países são feitos ajustes; na grande maioria a omissão das autoridades é ampla, geral e irrestrita, afinal, o sistema apresenta sinais de solidez e ren­tabilidade.
Exemplos ilustram essa mudança do verde para o amarelo. No Japão, no início da década de 1980, o sis­tema bancário propulsou o mila­gre; depois, aos poucos, mudou seu papel e inflou a bolha imobiliária que levou à crise.
Nos Estados Uni­dos, no começo da década passada, o crédito estimulou a constru­ção civil acelerando a economia; a partir de 2005, distorções como o aumento de empréstimos predató­rios e da quantidade de estruturas financeiras inconsistentes eram cada vez mais visíveis. A liquida­ção do Bear & Stearns foi um sinal de alerta forte, que não foi sequer ouvido. O modelo financeiro ame­ricano estava fragilizado, mas era lucrativo. O catalisador da crise foi a quebra do Lehman Brothers, mas poderia ter sido qualquer outro.
No Japão, no Brasil de 1999 e em outros países, a trama é a mesma e a atriz principal é sempre a com­placência. O colapso pode ser ban­cário, fiscal, externo ou empresa­rial, ou uma combinação de alguns deles, simultâneos ou em sequên­cia. Em todos os casos, a estrutura da intermediação, parcial ou total, rui. É a fase vermelha, prelúdio da cinza. O discurso nessa etapa é o de atribuir o colapso a problemas no resto do mundo, à ganância de ban­queiros, à inevitabilidade de crises e à regulamentação inadequada; as causas principais da crise, que são a arquitetura obsoleta do sistema, a omissão e a má gestão das auto­ridades, raramente são menciona­das. Um fato a lamentar em todas é que a tolerância com desajustes vira a matéria-prima para as finan­ças
predadoras.
A fase cinza, da resolução, deman­da tempo e alterações na arquite­tura financeira. Os japoneses estão tentando há quase duas décadas, os americanos ainda não acharam o caminho. Há também casos de sa­ídas rápidas de crises. A brasileira de 1999 é uma: a receita do sucesso foi a mudança radical do modelo, com a adoção do regime de metas de inflação, câmbio flexível e res­ponsabilidade fiscal. Outro exem­plo é a Argentina em 2001, com o fim do “corralito”, o abandono do câmbio fixo e a renegociação. Nos dois casos, as transformações efe­tuadas foram fundamentais para uma transição rápida e a retomada do crescimento.
A grande questão é o Brasil atual. É preocupante, pois está amarelan­do cada vez mais, com um pouco de verde pálido e algumas partes em cinza escuro. Como esmeralda temos a solidez (não a estabilida­de e a rentabilidade do sistema brasileiro, que tem um patrimônio líquido de R$ 450 bilhões, um capi­tal excedente de R$ 70 bilhões para absorver perdas e um lucro de R$ 17 bilhões só no último trimestre, encerrado em setembro de 2011. Temos também o crédito direcio­nado com uma taxa média de 10% ao ano crescendo a 20% ao ano, há instituições operando em nichos específicos de forma primorosa e a abrangência do sistema é ampla.
No cinza temos alguns números mostrando indigentes do crédito: o financiamento PF até R$ 5 mil está estagnado nos mesmos R$ 200 bilhões desde dezembro, quando aumentou apenas 2%; a inadim­plência para aquisição de outros bens PF está em 13%, que, quando acrescida dos 8% de atrasos de 15 até 90 dias, mostra que 21% dos compradores de geladeiras, lava­doras, etc. não está adimplente é seis vezes maior que a morosidade média no mundo. Há também taxas médias para conta garantida de 111% e cheque especial de 188%, que indiscutivelmente são insus­tentáveis.
Na média, o sistema está cada vez mais na fase amarela. Um indi­cador agregado importante é a relação crédito/PIB que está num patamar próximo ao da Bolívia, um nível baixo, considerando a sofisticação da intermediação e o dinamismo da economia brasileira. Está crescendo a uma taxa média de 2% ao ano, o que faria com que demorasse mais de uma década para alcançar o nível do Chile hoje, ou 40 anos para ficar na média mundial atual. Amarelando ainda mais o quadro, a taxa está caindo, o que por si só é outro sinal de alerta forte.
Há outros indicadores de distorções. A oferta de crédito é instável e ineficiente, as taxas cobradas e a composição da oferta de financiamentos são voláteis e as margens são as segundas mais altas do mundo. A inadimplência está alta e subindo. A serventia da in­termediação é baixa; uma sondagem do Sebrae mostra que mais de dois terços das empresas nem sequer bus­cam por empréstimos bancários. Apesar dos sintomas, continua-se negando a realidade. Afinal, o sistema é sólido e lucrativo. A miopia impera.
O ponto é que os sinais são de que pode haver proble­mas, não de que haverá. Se ajustes forem feitos, pode-se duplicar a relação crédito/PIB, algo que interessa a todos, em especial aos bancos que podem ter lucros mais sólidos por mais tempo. Futuro se faz, não se espera.

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