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sexta-feira, 7 de maio de 2010

O problema é lá fora. Esqueçam os bancos nacionais

A solidez do sistema bancário brasileiro
Entrevista com Celso Grisi
Veículo: Portal BVandNews TV   Data: 30/04/10
A recente crise econômica estremeceu os até então inabaláveis alicerces de dezenas de grandes instituições bancárias mundo afora. Até mesmo gigantes de sólidas tradições acima de qualquer suspeita para as agências de riscos foram tragados pela tormenta financeira, que sugou alguns trilhões do sistema e dizimou reputações inatacáveis. Mas no Brasil, as marcas mais reluzentes do sistema financeiro escaparam ilesas do quadro de pânico.
Arrojado na concessão de crédito durante o período mais agudo da recente crise econômica, o Banco do Brasil foi quem mais ganhou em uma primeira avaliação. Os lucros da instituição superaram os R$ 10 bilhões em 2009 e, com a musculatura enrijecida, a estratégia de internacionalização ganha impulso. Com crescente presença na Europa, EUA e América Latina, o BB vai ampliando seus limites. "O processo de internacionalização do Banco do Brasil promete mais", avalia o professor de economia e diretor da Fractal Instituto de Pesquisa, Celso Grisi.
Especialista no segmento de bancos, Grisi elogia os gestores do BB durante os governos FHC e Lula, atribuindo a eles os méritos pelo amplo trabalho de saneamento da instituição e pela devida blindagem contra o aparelhamento e o apetite dos políticos. O professor também aponta como positivo o conservadorismo de tradicionais bancos privados, que se mantêm distantes de posições de riscos, e discorda de quem avalia o sistema bancário do Brasil como excessivamente concentrado. "Se somarmos todos os ativos das cooperativas associadas à Sicredi teremos o oitavo banco em ativos. Imagina então essa capilaridade na concessão de crédito", afirma Grisi em entrevista para o bandnewstv.com.br (Fábio Piperno).
Professor, os bancos públicos foram muito ousados durante a crise, principalmente na concessão de crédito. Terminado aquele ciclo, o senhor avalia que eles ganharam o confronto contra os concorrentes privados?
Grisi- Sem dúvida ganharam. A participação dos bancos públicos cresceu enormemente em relação aos privados no que tange a crédito a pessoas físicas. Em relação ao crédito agrícola, o Banco do Brasil continua mantendo uma liderança acentuada, embora tenha até sofrido uma pequena redução. Agora, a expressão dessa vitória tem na origem o fato de que os bancos privados foram muito cautelosos, enquanto os bancos públicos puderam expandir fortemente a sua carteira para pessoa física e jurídica. Na pessoa física, essa carteira cresceu muito em volume, mas não em rentabilidade. Foi muito prejudicada pela baixa rentabilidade dos créditos consignados, que entre pessoas físicas foi o que mais cresceu.
E em relação às pessoas jurídicas?
Grisi-Entre as pessoas jurídicas, os bancos públicos foram as grandes fontes de capital de giro no momento em que a liquidez mundial havia caído. O Banco do Brasil também teve uma expansão muito grande aí. E o volume dessas operações foram os elementos que permitiram ao Banco do Brasil a realização de um lucro tão expressivo quanto esse que alcançou até o final do ano. No último trimestre do ano, ultrapassou R$ 4,5 bilhões de lucro. Entretanto, não houve ganhos adicionais quando se fala em intermediação financeira pura. Quando você exclui o agronegócio e trabalha com a intermediação financeira, o Banco do Brasil realmente produz um grande resultado. Mas sem a ampliação dessa margem da intermediação.
Mas para o acionista do banco, a rentabilidade menor não é um fator menos importante do que ter esse bolo tão inflado pelos lucros?
Grisi- Se a gente isolar isso e falar apenas disso é verdade. Mas o fato é que os lançamentos sucessivos de ações que o Banco do Brasil fez têm prejudicado o valor dos papéis. Não se trata de uma ação priorizada nesse momento pelo mercado. Não é um investimento recomendado pelos grandes players do setor financeiro, como são Bradesco, Itaú e Unibanco. Do outro lado, há também uma preocupação com as pressões políticas para expansão do crédito. Até o momento, o Banco do Brasil apresentou um elemento definitivamente importante para ganhar a confiança do mercado, que foi a redução da taxa de inadimplência. O BB tem uma taxa de inadimplência ainda menor do que se imaginava que pudesse ter. O medo era que a expansão do crédito pudesse deteriorar a qualidade desse crédito concedido e ter um problema de inadimplência futura, o que não é verdade. Tanto é que as provisões diminuíram, são menores. E imagina-se que se não houver pressão política que obrigue o banco a assumir políticas menos consequentes, essas provisões devem se manter baixas.
O senhor disse que o mercado não recomenda nesse momento papéis do Banco do Brasil. Mas o senhor não acha também que pelo fato de ter sido o banco que apresentou o maior lucro ano passado e por ter derrubado a inadimplência mesmo cortando taxas, o BB de certa forma também não derrubou alguns mitos?
Grisi- Derrubou vários mitos. Mas o maior dos mitos que ele está derrubando agora e que devemos considerar é a nova política que o BB assume no seu processo de internacionalização. Nos Estados Unidos, com 16 agências em operação, América Latina onde cresceu fortemente sua atuação, Europa onde tem buscado nas principais praças posições muito bem consolidadas e agora também na Ásia, através de um escritório montado anos atrás, mas que agora ganha cara de uma agência. Então esse processo de internacionalização do BB promete mais. O Banco do Brasil dá razões suficientes a quem olha para o longo prazo, vendo a expansão do seu crédito em todos os setores, inclusive com uma pequena retração no agronegócio, mas ainda assim uma liderança indiscutível aí - a inadimplência do agronegócio caiu, a inadimplência das pessoas físicas e jurídicas caiu, o lucro tem sido extraordinário, em automóveis tem uma posição muito forte. Parte desse lucro vem da Previ, que é um lucro não pelo caixa, mas é uma participação que vai reforçar o Banco do Brasil. Tudo isso sinaliza que esse será um player substancialmente importante na vida econômica brasileira, muito além do que já foi até aqui.
O que explica o sucesso de uma empresa estatal após todas as críticas recebidas pela gestão do Estado nesses últimos anos?
Grisi- Isso começa lá atrás, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso chamou o Paulo Cesar Ximenes para por ordem no Banco do Brasil.
Mas não foi com ele que o Banco do Brasil registrou o maior prejuízo da história do capitalismo brasileiro no início do governo FHC?
Grisi- Fruto de uma circunstância anterior. Para falar de BB devemos analisar esse banco com elementos diferenciados. Quando se securitiza R$ 7 bilhões de dívida agrícola naquela ocasião, quem é que comparece? O Banco do Brasil! Quando se trata de segurar os juros da dívida brasileira, que a família Dart havia assumido a maioria e poderia fixar juros diferenciados e prejudicar o Brasil, quem é que compareceu com US$ 1,8 bilhão? O Banco do Brasil! Então, o papel social levou o BB a acumular situações difíceis. O presidente FHC saneou o Banco do Brasil e a Caixa, com aportes altíssimos. E a partir daí começou a recuperação do banco, com investimento brutal na área de tecnologia, recomposição da tipologia e da topologia da rede de agências do Banco do Brasil, a criação do home banking e do remote banking, a criação das unidades corporativas, que depois se transformaram em segmento corporate e segmento private e a segmentação do mercado de pessoas físicas. Tudo isso foram as bases de um Banco do Brasil moderno e competitivo. Sucede ao Paulo Ximenes o Eduardo Guimarães, ex-Banespa, que deu continuidade. Por fim, vem o Rossano Maranhão, um técnico de mão cheia, hoje no Banco Safra, especialista na área internacional como poucos no Brasil. Finalmente, o BB passa pelas mãos de um homem com formação em controladoria, que dá a consistência toda do ponto de vista de números, de consolidação do banco como uma player robusto, que é o Lima Neto. E agora, volta às mãos de um novo pensamento expansionista de mercado, pensando em crescimento de participação de uma forma sadia, ajuizada, que é o do (Aldemir) Bendine. Então, a história do Banco do Brasil tem sido nesses últimos 15, 20 anos, a história da recuperação da gestão pública. Do afastamento dos riscos da carreira pública e da incorporação de hábitos sadios da iniciativa privada sem, contudo, descaracterizar um banco público, com papel social e funcionários comprometidos. É até uma lição para ser estudada e revista em termos de privatização e de funcionamento da máquina pública.
O senhor então avalia que o BB conseguiu ficar imune ao aparelhamento que muitas empresas e órgãos públicos teriam enfrentado nesses últimos anos?
Grisi- Diria para você que Lima Neto e o Rossano Maranhão conseguiram preservar o banco de uma agressão intolerável. Eles conseguiram que o aparelhamento fosse o menor possível e que as decisões fossem conduzidas tecnicamente.
A Caixa Econômica Federal vai pelo mesmo caminho?
Grisi- A Caixa sofre mais porque não passou por aquele processo de saneamento. Há entre os economiários uma cultura ainda muito arraigada daquele momento de gestão pública. Mas ela teve uma grande evolução. É inegável a evolução na área imobiliária, de pessoas físicas, sobretudo de baixa renda, que pode ser tida como um exemplo de bancarização, via lotéricas que são seus correspondentes bancários. Nisso ela realmente levou bons serviços e é muito bem avaliada. As pesquisas mostram que ela é muito bem avaliada e que tem um portfólio de serviços bastante interessante para baixa renda. A Caixa se posicionou fortemente também no small business e ela ainda não atua fortemente no segmento mais alto de pessoa jurídica. Mas ela tem um desempenho muito melhor que no passado.
A aquisição da Nossa Caixa foi um bom negócio para o Banco do Brasil?
Grisi- Um excelente negócio. O BB tem uma posição de rede na cidade de São Paulo muito comprometida, como ainda é, em relação ao Rio de Janeiro. A aquisição da Nossa Caixa reforça e tapa os buracos que ele ainda tinha naquilo que a gente chama de topologia de rede de distribuição. Em segundo lugar, comprou uma participação de mercado substancial e interessante, porque trouxe para dentro de si a máquina de pagamento do Estado de SP. Pegou uma boa parte dos funcionários públicos que não estavam com ele. Acho que não comprou grande coisa em relação a produtos e sistemas, mas acho que ele tem todas as condições para promover uma sinergia e ganhos de economia de escala com a compra da Caixa. Não acredito na mesma coisa no Banco Votorantim. Não acho que ocorra um ganho tão grande de economia de escala e muito menos de sinergia. Mas em relação à Nossa Caixa e ao BESC (de Santa Catarina) foram dois passos decisivos para a consolidação do BB nesses dois mercados.
Em relação aos ganhos de sinergia nesses dois casos, o senhor acha que são mais substanciais do que, por exemplo, a ocorrida na fusão Itaú-Unibanco?
Grisi- A fusão foi algo muito apropriado aos dois bancos. E deu origem a um gigante, com peso muito semelhante ao do Bradesco, um pouco mais ou pouco menos. Claro que para digerir isso é um processo meio lento. Mas acho que evolui muito bem e teremos no Brasil um sistema bancário extremamente saudável, com players muito parecidos. Temos o BB de um lado e Bradesco e Itaú/Unibanco. Isso traz para o Brasil uma tranquilidade imensa.
Esse modelo altamente concentrado favorece o enfrentamento de crises, como a mais recente?
Grisi- Primeiro que esse modelo não é tão concentrado assim. Até caberia mais um banco.
Mas nos Estados Unidos há milhares de pequenos bancos...
Grisi- Milhares de bancos, mas todos eles trabalhando com modelo especializado. Portanto, muito longe das mãos do Estado. O modelo brasileiro, em grande parte, reproduz casualmente sem copiar o modelo alemão. Esse modelo é um tripé. Por um lado, tem os bancos estatais, que não são desprezíveis, como BASA, BNB, BNDEs, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. Esses players garantem um braço para uma ação econômica forte do governo na vida social ou empresarial.De outro lado, tem um sistema privado, que encontra uma regulamentação conservadora pela frente muito bem estruturada, mas com algumas falhas de fiscalização, como a ocorrida no episódio do Banco Nacional. Mas já muito melhorado. Mas a regulamentação se mostrou competente. E de outro lado, as chamadas cooperativas de crédito. São as caixas de crédito. Por exemplo, se somarmos todos os ativos das cooperativas associadas à Sicredi do Brasil, teremos o oitavo banco em ativos. Ninguém nem sabe disso. Então, imagina essa capilaridade na concessão de crédito. Um fato semelhante se reproduz na Credicitrus, que as pessoas nem conhecem. É a cooperativa dos citricultores de São Paulo. Então há um modelo em que as coisas não se concentram em um indivíduo. Temos um sistema capilar. Um banco como o Bradesco se comporta, do ponto de vista do risco, de forma maravilhosa. O banco tem critérios! Ele financia, mas tem qualidade de crédito e não assume posições arrojadas com derivativos, exclui isso da suas negociações.
A estratégia mais ousada do Banco do Brasil de alguma forma acabará influenciado as instituições privadas, a ponto de levá-las a também adotar políticas mais arrojadas?
Grisi- O mundo privado vai ter que reagir. Terá que trabalhar mais na área bancária. Vai ter que emprestar e aprender a fazer seus lucros decorrerem da intermediação bancária antes tudo. Terão que ser tomadores de riscos, se comprometer com prazos mais extensos de concessão de crédito, precisarão emprestar com taxas mais baratas, tendo spreads menores. O mercado internacional está líquido, o custo é muito barato para captação. Se essa idéia da criação do Centro Financeiro da América Latina com uma câmara de compensação de moedas de diversas origens da América Latina vier a se implantar, teremos uma capacidade de captação imensa. Com o real, uma moeda forte, estável, líquida, teremos uma imensa capacidade de captar a juros privilegiados e vamos poder repassar isso para vários países e empresas de diferentes nacionalidades, aqui dentro e lá de fora. Acho que é um momento para a gente olhar para o Real com plena conversibilidade.
O resultado espantoso do Banco do Brasil teria sido ainda maior se a taxa de juros fosse mais elevada?
Grisi- Até teria remunerado melhor o BB, mas a idéia não era essa. A idéia era forçar a taxa real de juros para baixo. A Selic já tinha vindo. Mas forçar essa redução dos juros e dos spreads. Essa era a idéia central e não a de aumentar o lucro do BB a partir de margem maior.
Em relação às taxas de juros, as autoridades monetárias não estão agindo com excesso de zelo?
Grisi- A estabilidade monetária é a pedra de toque da economia brasileira. Se essa moeda balançar, vai engolir o nosso prestígio externo. Nós temos que preservar isso. A sociedade brasileira já pagou um custo enorme.
Mas a dose desse remédio dos juros alto não está amarga demais?
Grisi- Acho que não. O que ainda está exagerado é a ampliação das despesas públicas. Se a gente conseguir reduzir ainda mais nosso déficit - de 3,2%, 3,3% - para 2,5% teremos duas grandes vantagens. A primeira, contém a inflação. A segunda coisa que acho muito interessante é que reforça a conversibilidade do Real. É uma das condições mais importantes - a expansão do superávit primário ou a chegada ao superávit nominal. Se a gente chegar a isso, a conversibilidade da moeda poderá ser feita com muita tranquilidade porque o governo teria meios de resistência para encarar um possível ataque cambial. Então precisaríamos reduzir o déficit público, manter a inflação submetida ao regime de metas e não haver uma grande defasagem do dólar, que prejudique a exportação. Ou não haver também uma supervalorização, que por outro lado também é tão má quanto a subvalorização. Então, é fundamental que o Brasil mantenha essas condições.
Professor, é correto afirmar que duas práticas do Brasil que são bastante combatidas, os juros elevados e a alta carga tributária, acabaram por beneficiar o país no período da crise, já que havia o que cortar, ao contrário da Europa e dos EUA, que haviam praticamente esgotado suas ferramentas monetárias?
Grisi- Sem dúvida. Esse é o ponto. Você olha para o endividamento da família brasileira. Ela está crescendo a uma velocidade superior ao crescimento da sua renda. Está errado. Se a gente contingenciar um pouco o crédito ou subir um pouco a taxa de juros, vamos conter isso. Por que vai estourar lá na frente. E é razão da inadimplência futura. Então, ser conservador com risco menor, embora tenha um custo imediato, a médio prazo ter uma arrecadação ou um custo tributário mais elevado, não é errado. Errado é gastar desse jeito porque aí você me faz de bobo. Eu é que estou pagando esse absurdo. Mas eu queria a contraposição. A prestação dos serviços correspondente aos impostos que você arrecadou. Não quero chegar na escola pública e ver aquela porcaria que estou vendo. Mesma coisa com hospitais ou infra-estrutura. Eu gostaria de ver a melhoria no quadro social brasileiro.

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